O Amor (extraído de “O Profeta”)
Quando o Amor o chamar, siga-o
embora seus caminhos sejam agrestes e difíceis,
E quando ele o envolver com suas asas, permita-lhe
embora a espada oculta na sua plumagem o possa ferir
E quando falar a você, acredite Nele,
apesar da Sua voz poder quebrar seus sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins
Porque, assim como o Amor o coroa,
também o crucifica
E da mesma forma que contribui para o seu crescimento,
Trabalha também para sua poda
E assim como se eleva à sua altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
Também penetrará até as suas raízes
sacudindo o seu apego à terra
Como feixes de trigo, ele o aperta junto ao seu coração
Ele o debulha para expor vossa nudez
Ele o peneira para libertá-lo das palhas
Ele o mói até a extrema brancura
Ele o amassa até que se torne maleável
Então, ele o leva ao fogo sagrado e o transforma
no Pão Místico do Banquete Divino
Todas essas coisas, o Amor operará em você
para que conheça os segredos de seu coração
E, com esse conhecimento,
se converterá no Pão místico do Banquete Divino
Contudo, se com seus medos,
procurar somente a paz do amor e o gozo do amor,
então seria melhor a você que cobrisse sua nudez
e abandonasse a eira do amor,
para entrar num mundo sem estações,
onde rirá, mas não todos os seus risos,
E chorará, mas não todas as suas lágrimas
O amor nada dá senão de si próprio, e nada recebe senão de si próprio
O amor não possui, nem se deixa possuir, porque o amor basta-se a si mesmo
Quando amar, não diga:
“Deus está no meu coração”
Mas que diga antes:
“Eu estou no coração de Deus”
E não imagine que possa dirigir você o curso do amor
Pois o amor, se o achar digno,
Determinará ele próprio o seu curso
O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os seus desejos:
De se diluir no amor e ser fluido como um riacho
que canta sua melodia para a noite;
De conhecer a dor de sentir ternura demasiada;
De ficar ferido por sua própria compreensão do amor
E de sangrar de boa vontade e com alegria;
De acordar na aurora com o coração alado
E agradecer por um novo dia de amor;
De descansar ao meio-dia
e meditar sobre o êxtase do amor;
De voltar para casa à noite com gratidão;
E de adormecer com uma prece no coração para o bem-amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança.
Khalil Gibran (1883, Líbano – 1931, Nova York) ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor. Em 1894 emigrou para Boston, EUA.
Em 1898 retornou ao Líbano para completar seus estudos árabes no Colégio da Sabedoria, em Beirute. Em 1902 volta a Boston.
Escrevia poemas e meditações para o jornal árabe Al-Muhajer que circulava em Boston. Produziu obra literária marcada pelo misticismo oriental, que alcançou popularidade em todo o mundo. A obra literária de Gibran, acentuadamente romântica e influenciada pela Bíblia, Nietzsche e William Blake, trata de temas como o amor, a amizade, a morte e a natureza, entre outros. Obras em Árabe: As ninfas do vale (1906), Espíritos rebeldes (1908), Asas Partidas(1912), Uma lágrima e um sorriso (1914), A procissão (1919), Temporais (1920). A partir de 1918, obras em inglês: O precursor (1920), O profeta (1923); Areia e espuma (1926) e O errante (1932). Nome completo: Gibran Khalil Gibran.