Queridos amigos(as),
No último encontro, explicamos como Pátañjali didaticamente classificou o Raja Yoga (Yoga Real) em suas oito partes ou oito ramos, o caminho óctuplo: i) respeito pelos outros (yama); ii) respeito por você mesmo (niyama); iii) harmonia com seu corpo (asana); iv) sua energia (pranayama); v) seus pensamentos (dharana); e vi) suas emoções (pratyahara); vii) contemplação (dhyana); viii) êxtase (samadhi)
Hoje iniciaremos o primeiro ramo: Yama, o mais externo e material de todos, aquele que tem a ver com a forma como nos relacionamos com os outros seres, os quais, assim como nós, estão tendo as suas experiências aqui na matéria, neste momento, e que individualizados num corpo, aparentam estar separados de nós, e que de forma análoga, nos percebem aparentemente separados deles. Yamas podem ser resumidos como o código associado à conduta moral e ética em relação a tudo que nos cerca.
No capítulo 2 ( साधनपाद Sādhana-Pāda) dos Yoga Sutras de Pátañjali, no aforismo II.30 diz-se:
अहिंसासत्यास्तेय ब्रह्मचर्यापरिग्रहाः यमाः
ahiṁsā-satya-asteya brahmacarya-aparigrahāḥ yamāḥ
O respeito pelos outros (Yama) é baseado na não-violência (ahimsa); veracidade (satya); não roubar (asteya); não cobiça (aparigraha); e agindo com uma consciência dos ideais mais elevados (brahma-charya)
Discutiremos os 5 (cinco) Yamas ou princípios básicos de conduta moral e ética do Yogi, começando nesta oportunidade pelo mais importante, alicerce de todos demais: Ahimsa, não-violência.
Ahimsa
Ahimsa talvez seja um dos conceitos mais importantes de toda Filosofia do Yoga pois trata-se do pilar conceitual, onde yoga é união entre todos os seres, entre toda a existência – uma vez compreendido isso, qualquer violência, em qualquer grau, dirigida a outro ser, em essência se dirige a nós mesmos, pois somos parte deste Todo.
A palavra ahimsa é originada da raiz em sânscrito hun, que significa não ferir, não violar, não causar danos aos outros. Outros podem ser outras pessoas, animais, qualquer criatura, qualquer ser que tenha percepção do sofrimento.
No capítulo 2 ( साधनपाद Sādhana-Pāda) dos Yoga Sutras de Pátañjali, no aforismo II.30 diz-se:
अहिंसाप्रतिष्ठायं तत्सन्निधौ वैरत्याघः
ahiṁsā-pratiṣṭhāyaṁ tat-sannidhau vairatyāghaḥ
Depois que uma condição de não-violência duradoura (ahimsa) for estabelecida, toda inimizade será abandonada em seus arredores
A visão do yoga é uma visão energética. Assim como também pensava e dizia Einstein, tudo é energia em suas diferentes frequências. De forma que, tudo o que pensamos, fazemos ou dizemos é um evento energético e portanto, essa energia se propaga além de nós, o que nos permite interagir com os demais seres na matéria, portanto o propósito de estarmos vivos aqui. Essa energia que se propaga, afeta os demais seres e vice-versa, a energia emanada dos demais seres nos afetam. Portanto, a soma das energias do meio em que estamos inseridos nos afeta e são inputs para nossa sistema. Por isso, o conceito de ahimsa é tão importante, porque o que pensamos importa, não apenas porque sim, emitimos energia do que pensamos também para fora, mas principalmente porque, como sabiamente disse Frank Outlaw: “Vigie seus pensamentos, eles tornam-se palavras. Vigie suas palavras, elas tornam-se ações. Vigie suas ações, elas tornam-se hábitos. Vigie seus hábitos, eles formam seu caráter. Vigie seu caráter, ele se torna seu destino”.
O conceito estrito de ahimsa é não praticar violência de forma alguma, nunca. A visão moderna, entretanto, pode ser melhor compreendida e praticada, baseada no que você dá conta de administrar. Por exemplo, algumas pessoas podem se tornar vegetarianas, algumas podem se tornar veganas, o que é ainda mais restrito, enquanto outras pessoas podem dizer: olha, eu não consigo deixar de comer carne, mas eu me preocupo em verificar a forma como essa carne foi produzida e que não houve sofrimento além do necessário a esse animal, ou ainda eu medito e agradeço ao ser que serviu seu corpo para que eu pudesse me alimentar naquele momento, reconhecendo a minha incapacidade de não deixar de me alimentar dessa forma. Assim, a interpretação moderna relativo à dieta é: faça o melhor que puder no sentido de não causar violência devido à sua necessidade de se alimentar, inclusive violência a você mesmo, se alimentando de coisas que podem prejudicar o seu próprio organismo, como álcool em excesso, ou colesterol, etc… Faça o seu melhor, e atento.
Ahimsa pressupõe também não alimentar pensamentos, julgamentos sobre os demais, ainda que uma pessoa seja considerada má pessoa pela maioria das outras pessoas. Do ponto de vista do yoga, não faz sentido pensar e/ou emitir opiniões negativas sobre os demais. Não nos cabe julgar, cada ser está passando por seu estágio de aprendizado, de forma que se naquele momento agiu ou deixou de agir de alguma forma que esperávamos, não temos o papel de juiz, apenas de observadores e de que forma aquela experiência pode ou não ser útil no nosso processo de aprendizado, ainda que a ofensa tenha sido dirigida a nós. Como yogis no concentramos nos pensamentos positivos, nas palavras encorajadoras, não dispendemos nossa energia, em pensamentos, palavras e ações com questões negativas pois não são eficientes para nosso processo evolutivo, apenas trazem ruído e perda de energia direcionada ao nosso propósito. Um discurso de raiva e ódio é a antítese do yoga. Então, pense sobre o que você fala, e quando disser algo, que seja positivo, útil, construtivo. Quando agimos por impulso, por hábito, sem estar presente no momento presente, por vezes, ainda que não intencionalmente cometemos violência.
Quando himsa, vitarka, ou seja violência sai de você, por alguma agressão que você fez diretamente, ou foi a causa dela, ou meramente consentiu que ela acontecesse sem fazer nada para impedir, geralmente isto é causado por: desentendimento, raiva, desilusão ou apego e o resultado disso, de acordo com os yoga sutras: são sofrimento e ignorância. “O medo leva a raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento” Os sutras também afirmam que a forma de evitar vitarka é uma prática denominada pratipaksha bhavanam, que consiste em se colocar no lugar do outro, e tentar entender por qual motivo alguém estaria dizendo ou fazendo determinado palavra ou ação, ao invés de diretamente tomar aquilo como uma afronta pessoal, e retornar com uma ação violenta. É o conceito de EMPATIA, se colocar no lugar do outro para entender outro ponto de vista, antes de qualquer julgamento ou conclusão. Você se coloca na posição de ouvir eventualmente algo negativo, mas você sabiamente não pretenderá retornar algo negativo disso. Você desenvolve a capacidade de absorver e transmutar essa carga negativa em positivo, simplesmente porque busca entender do fundo do seu coração a causa daquela energia negativa que lhe foi direcionada e não a trata de uma forma pessoal, mas sim de forma neutra e imparcial. Alguns dirão: é impossível fazer isso pois no momento da raiva você não consegue pensar desta forma. Exatamente aí está sua resposta: um yogi em Verdade não se ilude pela raiva, nem pelos elogios, ele navega com mente neutra acima dos julgamentos e por isso não propaga cargas negativas que podem fazer mal aos demais e a ele mesmo. Assim, faça um teste: na próxima vez que algo negativo chegar a você, não reaja de imediato, mas busque entender por que aquilo aconteceu, e o que você pode fazer para evitar que aquilo volte a ocorrer.
Causas da Violência
Rāga – Apego e Desejo
A violência tem muitas causas, mas uma das maiores causas é Rāga: apego e desejo, ambas relacionadas ao medo. Apego e desejo são dois lados de uma mesma moeda. Nos Yoga Sutras, Raga é referido como “ficar preso a um prazer passado”. Na Bhagavad Gita, Krishna (a Divindade) ensina a Arjuna (humano) sobre o verdadeiro inimigo: Rāga. Apego e Desejo. Quando você está apegado a algo, então você terá medo de perdê-lo e isto pode causar violência e isto pode acontecer em parte pelo seu desejo de ter esse objeto do apego. Não há problema em você querer algo, desde que o fato de não tê-lo, não o tire do seu eixo. “Treine a si mesmo a deixar partir tudo que teme perder” Outra causa importante de violência é o Ego. Lembrem que Ego é a parte da consciência (citta), que vimos anteriormente, que tende a querer controlar as coisas, inclusive seus desejos e a satisfação dos mesmos, por isso o controlar o ego é tarefa importante nas práticas de yoga. Não existe problema em querer algo, em ter desejos. Mas é importante que se não for possível satisfazê-los, que você esteja bem com isso.
Mas como evitar a violência ou ao menos enfraquecê-la?! Uma forma é separar o ator da ação.
“O homem e sua ação são duas coisas distintas. Enquanto uma boa ação deve suscitar aprovação e desaprovação da ação perversa, quem faz a ação, boa ou má, sempre merece respeito ou piedade, conforme o caso. “Odeio o pecado e não o pecador” é um preceito que, embora fácil de entender, raramente é praticado, e é por isso que o veneno do ódio se espalha pelo mundo. “…. “É bastante apropriado resistir e atacar um sistema, mas resistir e atacar seu autor é o mesmo que resistir e atacar a si mesmo..” [Mahatma Gandhi]
Já vivenciei inúmeras situações no mundo corporativo aonde um resultado indesejável leva a ações inesperadas e violência verbal, devido à um desejo de um resultado excepcional ou apego à uma expectativa que não se concretizou, gerando frustração, medo, raiva e violência. A grande maioria das pessoas não teve um treinamento psicológico para suportar a carga e saber separar a crítica do problema e da pessoa – a maior parte das pessoas acredita que as críticas são de fórum pessoal e não do ocorrido em si. Certa vez perguntei a uma pessoa que estava exatamente numa situação como esta, apavorada com medo de perseguição e de ser despedida: você realmente acredita que essa crítica tem o objetivo de te atacar diretamente? Por que essa pessoa que tem alguns cargos acima do seu estaria usando o escasso tempo dela para fazer essa crítica pessoal a você? Faz sentido isso? ou não seria o caso da crítica ser para que esse problema da companhia seja resolvido o mais rápido possível e talvez você possa contribuir para isso? Depois de refletir, essa pessoa se acalmou, compreendeu e voltou a focar no seu trabalho, com resultado surpreendentemente positivo.
Portanto, na próxima vez que alguém o agredir ou for ríspido com você, procure separar o ato em si do ator. Lembre-se que todos nós, falíveis que somos, agimos baseados nos nossos hábitos, memórias e padrões, e que não necessariamente é culpa de quem está falando ou a quem está falando ou agindo. Tente pausar um momento, e tente separar ato de ator nesta oportunidade e veja como as coisas funcionam. Nós somos responsáveis por nossos pensamentos, nossas palavras, e nossas ações e o que fazemos com isso é uma escolha nossa. Você não pode mudar como as outras pessoas pensam, falam ou agem, mas você pode e deve mudar como você reage a isto através do que você pensa, fala e age. Conforme já havia antecipado nos primeiros encontros: yoga não é para mudar os outros, é para mudar você! Pense sobre isso!
Ahimsa é a parte mais fundamental do Yoga e o alicerce para todos os outros ramos. Atenção no momento presente: na ação, nas palavras e no pensamento. atha yoga-anuśāsanam ~ Agora o Yoga! Até o próximo encontro… 🙂
Créditos desta seção:
“Introduction to Yoga Sutras” – Nicolai Bachman”
https://www.ashtangayoga.info/philosophy/source-texts-and-mantra/yoga-sutra/chapter-2/
Muito bom! E o linguajar mais simplificado dando uma maior compreensão…
Obrigado pelo feedback! Namaste!