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Seguindo nossa investigação e observância mais interna sobre os Niyamas, hoje daremos foco ao Niyama que nos fala sobre disciplina, a autodisciplina. Falaremos sobre Tapas.

É bastante intuitivo que qualquer processo em que se busca evolução contínua e eficaz, uma certa disciplina e perseverança seja necessária. Assim também acontece com nosso processo de autoconhecimento e autorrealização, “… porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à Vida, e poucos há que a encontrem. [Mateus 7:14]”.

Vamos hoje nos aprofundar no que significa Autodisciplina no caminho do Yoga, que está associada à atenção, à disciplina e à austeridade sobre o que fazemos, o que falamos e o que pensamos/mentalizamos.

A origem etimológica da palavra Tapas está baseada na raiz Tap (तप्), que significa calor, fogo, aquecer, exalar calor, brilhar, queimar. Portanto entende-se Tapas no sânscrito como o calor necessário para o nascimento biológico, o calor materno da “ninhada” física proporcionada por aves como uma galinha em seus ovos , ou seja um processo essencial para a eclosão e o nascimento. Usando a nosso etimologia, seria o equivalente a “chocar o ovo”. chocar ~ Fazer desenvolver o embrião de ovos, cobrindo-os e aquecendo-os com o corpo, postando-se sobre eles; incubar, estar no choco.

De fato o ovo também tem significado do surgir uma nova vida, (uma vida renascida) e não por acaso é o motivo do ovo ser o símbolo da Páscoa – O ovo é símbolo bastante antigo, anterior ao Cristianismo, que representa a fertilidade (assim como os coelhos que se reproduzem fartamente) e o renascimento da vida. Muitos séculos antes do nascimento de Cristo, a troca de ovos no Equinócio da Primavera (21 de Março) era um costume que celebrava o fim do Inverno e o início da primavera. Para obterem uma boa colheita, os agricultores enterravam ovos na terra buscando abundância. Quando a Páscoa Cristã começou a ser celebrada, a cultura pagã de festejo da Primavera foi incorporada na Semana Santa. Os cristãos passaram a ver o ovo como um símbolo da ressurreição de Cristo.

Nos Vedas, Atharva Veda, versículo 11.5.3, associa-se o processo de renascimento espiritual de um aluno sob cuidados do seu mestre ao processo de gestação de um bebê no ventre de uma mãe – os estudiosos védicos, portanto, usam o exemplo da mãe natureza para explicar e estender o conceito sobre a energia necessária à eclosão do conhecimento e renascimento espiritual.

Não é fácil renascer. É preciso ter morrido para poder renascer. Tapas está, portanto, relacionado ao esforço pessoal e autodisciplina para atingir uma meta. Em sânscrito, quem realiza tapas é um tapasvin. Em paralelo, simbolicamente, é interessante notar que a divindade do fogo do hinduísmo, Agni, central para muitos rituais hindus (como yajna e homa), é considerado um agente de calor, de energia sexual, de incubação e considerado um tapasvin excelente. De forma que disciplina, calor, vontade, energia e força estão associados a Tapas.

Tapas também é referenciado nos Upanishads (textos védicos). O Chāndogya Upaniṣad, por exemplo, sugere que aqueles que apenas se envolvem em oferendas rituais a deuses e sacerdotes fracassam em sua prática espiritual, enquanto aqueles que se envolvem em Tapas e autoconhecimento, estes terão sucesso. O Śvetāśvatara Upaniṣad afirma que a realização do eu requer uma busca pela verdade e Tapas (meditação).

“Pela verdade, este Eu pode ser compreendido,
por Tapas, pelo Conhecimento da Verdade,
e por uma vida perpetuamente casta”. [Muṇḍaka Upaniṣad, 3.1.5-6]

Os textos de Adi Sankara sugerem que Tapas são importantes, mas não suficientes para a prática espiritual. Os estudiosos hindus posteriores apresentam uma discussão sobre “falso asceta”, como alguém que passa pela mecânica dos tapas, sem meditar sobre a natureza de Brahman. Aqui certamente temos exemplos em todas as tradições religiosas do falso espiritualista que buscar realizar Deus (qualquer que seja sua interpretação deste) apenas cumprindo rituais, mas sem verdadeiramente fazer a transformação dentro de si.

Nos Puranas e nos textos da tradição shakti do Hinduísmo, o termo é equivalente a uma devoção com intensa autodisciplina, através da qual se acredita se desenvolvam os sidhis, “poderes internos especiais”. No nosso uso contemporâneo, Tapas pode se referir a qualquer prática que inclua algum grau de desafio e exija perseverança do buscador. Como exemplos: prática do jejum (inclusive é comum em diversas tradições); mauna (silêncio), reclusão, castidade, outros. Dependendo do buscador estas disciplinas podem ser mais ou menos desafiadoras, e em geral, quanto mais desafiadora, mais necessária no processo de desenvolvimento físico, mental e espiritual do yogi. O “Ovo” sendo chocado pelo calor da disciplina.

Vejamos o que está escrito nos Yoga Sutras de Patañjali – Capítulo 2: Sadhana-Pada, aforismo II.43 acerca de Tapas.

कायेन्द्रियसिद्धिरशुद्धिक्षयात् तपसः

kāyendriya-siddhir-aśuddhi-kṣayāt tapasaḥ

Através da autodisciplina (tapas), as impurezas mentais são destruídas e o corpo e os sentidos assumem poderes sobrenaturais.

Tapas é essencial para a busca da perfeição do corpo, dos órgãos, da mente, das emoções, através da diminuição das impurezas, portanto base para a busca da perfeição e autorrealização de um yogi. Disciplina ardente, paixão e coragem para queimar suas impurezas físicas, mentais e emocionais, e assim abrir o caminho para a nossa verdadeira grandeza.

Não ouvir aquelas vozes sabotadoras dentro de nós que dizem ‘ah.. não sou capaz, não consigo, não sou bom o suficiente’ para enfrentar e superar os desafios que nos são impostos . Coragem e Perseverança é Tapas, o calor que queima pensamentos impuros, que nos devolve a mais alta autoconfiança e força interior, que nos imprime uma mentalidade de crescimento, growth Mindset, de evolução contínua rumo à Auto-perfeição e à Autorrealização. Em Tapas, não existe algo impossível, tudo é possível.

Trabalhar Tapas é trabalhar o fogo interior, a força interior, o centro ígneo, que está associado ao Manipura Chakra (falaremos oportunamente dos chakras que são centros energéticos do nosso ser – por hora é importante saber que o terceiro chakra é onde se concentra a energia do fogo, da força de vontade, do ímpeto). Este centro de energia governa nosso senso de autoconfiança, força interior, força de vontade e autodisciplina. Também é o elemento de transformação. A energia do fogo é volátil, instantânea poderosa e transformadora. Transformações acontecem quando permitimos que mudanças possam ocorrer, quando não somos inflexíveis, quando não somos rígidos, paralisados por medo ou inação. Se as coisas são fáceis demais o tempo todo, não temos estímulo para aprender novas lições, superar novos obstáculos, não evoluímos, não crescemos, não desenvolvemos novas habilidades, não nos tornamos mais fortes nem melhores.

Na Bhagavad Gita, Tapas é explicada por Krishna como autotreinamento e vida virtuosa. No capítulo 17 da Baghavad Gita está dito por Krishna a Arjuna, onde Tapas lê-se como austeridade:

17.14 – A adoração ao Senhor Supremo, aos brâmanes, ao mestre espiritual, aos sábios e aos anciãos – quando isso é feito com a observância da limpeza, simplicidade, celibato e não violência – é declarada como a austeridade do corpo.

17.15 – Palavras que não causam angústia são verdadeiras, inofensivas e benéficas, bem como a recitação regular das escrituras védicas – são declaradas como austeridade do discurso.

17.16 – Serenidade de pensamento, gentileza, silêncio, autocontrole e pureza de propósito – tudo isso é declarado como a austeridade da mente.

17.17 – Quando pessoas devotas com fé fervorosa praticam essas austeridades tríplices sem desejar recompensas materiais, são designadas como austeridades no modo da bondade.

17.18 – A austeridade que é realizada com ostentação para ganhar honra, respeito e adoração está no modo da paixão. Seus benefícios são instáveis ​​e transitórios.

17.19 – A austeridade que é realizada por pessoas com noções confusas e que envolve torturar a si mesmo ou prejudicar os outros, é descrita como estando no modo da ignorância.

Pelo que existe portanto 3 (três) tipos de Tapas genuínos:

• A austeridade do corpo: que é a simplicidade da vida, um certo prazer, uma certa retidão e honestidade; não ser agradável na frente das pessoas e depois esfaqueá-las pelas costas, mas sim controlar os sentidos. Envolve: pureza, castidade, honestidade, não violência e adoração
• A austeridade da fala: que consiste em dizer o que é verdade, benéfico e gentil
• Mas a mais alta austeridade: é a austeridade da mente que é a calma interior, compaixão, autocontrole e, finalmente, o silêncio.

Shankara, em seu comentário a Upanishad, diz que: “essas formas de tapas se resumem na forma mais alta de Tapas, a Meditação – objetividade e Samadhi são os métodos, e este é o único método pelo qual Brahman (Deus) é conhecido” – ele diz por duas vezes que este é o único método.

Quando nossa Vontade, a da nossa Luz Interior, entra em conflito com o desejo de nossa mente, é criado um “fogo” interno que ilumina e queima nossas impurezas físicas e mentais. Esse fogo interno é usado como fonte de energia para evolução espiritual; a chocagem do ovo… Os iogues dizem que a prática de tapas pode levar à liberação da kundalini e à obtenção da iluminação. Mais adiante falaremos das práticas em diferentes tradições e entraremos no detalhe deste entendimento.

“Tapas genuíno nos fazem brilhar como o sol. Então podemos ser uma fonte de calor e força para os outros“. [Georg Feuerstein]. Quando nosso Sol interno passa a brilhar, nos tornamos um farol para que os demais também possam se orientar e encontrar os seus próprios caminhos. “Apenas um raio de sol é suficiente para afastar várias sombras.” [São Francisco de Assis]

Uma outra abordagem muito interessante para o entendimento de Tapas é a da Alquimia. No processo de purificação, os metais são aquecidos e derretidos, de modo que as impurezas possam subir ao topo e serem removidas. Quando o ouro é colocado no fogo, suas impurezas queimam e seu brilho aumenta. Da mesma forma, nos Vedas: atapta tanurnatadā mośhnute (Rig Veda 9.83.1) [v3] “Sem purificar o corpo por austeridade, não se pode alcançar o estado final do iogue.” Praticando sinceramente a austeridade, os seres humanos podem elevar e transformar suas vidas do mundano para o divino.

Aqui, já por concluir, quando colocamos a vontade da nossa Alma, da nossa Luz interior, acima dos pensamentos de fracasso e derrotismo, da acomodação e da lei do menor esforço, da mediocridade, que imprime apenas os desejos imediatistas do ego, sem levar em conta a fortaleza da nossa Alma, torna-se impossível buscar o nosso propósito. É necessário nos permitir ouvir a indignação da nossa “Alma Imoral”, que clama contra: “os que outros vão pensar e dizer”, “às regras da sociedade que já não mais me servem”, “ao que sempre foi assim”, enfim ao fim da passividade e inércia para que nossa mente seja convencida de que o caminho mais fácil, em geral não é o correto. De que Tapas são necessárias para “adestrar” a nossa mente a nos servir em busca do nosso propósito. Quando vivemos Tapas estamos continuamente mandando uma mensagem à nossa mente sobre quem está no comando e o que precisa ser feito, nossa “emergência espiritual”, para seguirmos na direção e sentido do nosso propósito, sem desvios ou falsos atalhos.

Quando você é disciplinado numa dieta que se comprometeu a fazer para melhor sua saúde, isso é Tapas. Quando você mantém, não importa o que aconteça o compromisso de ações necessárias para largar um vício, isso é Tapas. Quando você pratica uma atividade física que não é confortável, mas você persevera porque sabe que é importante para sua evolução, isso é Tapas. Quando você se compromete com algo ou alguém e cumpre sua palavra, não importa o que aconteça, isto é Tapas….. E assim, rompendo com a mesmice, com a “normose”, não ouvindo as vozes da preguiça, da luxúria, da gula, enfim de todos os pecados capitais, mas firme no seu propósito você segue, marchando, rumo ao seu destino, em Tapas, você certamente encontrará sua Autorrealização.

Em Tapas, e até nosso próprio encontro, mantendo a disciplina de continuar nossa investigação do Self. Vejo vocês em breve! Fiquem bem! 🙂

Referências:

“Mindset – a Nova Psicologia do Sucesso” – Carol S. DWeck, ph.D.

“A Alma Imoral” – Nilton Bonder

https://en.wikipedia.org/wiki/Puranas#/

[https://www.holy-bhagavad-gita.org/chapter/17/verse/14]

[https://www.tlayt.org/in-the-bhagavad-gita-there-are-three-kinds-of-tapas/]

[https://www.yogabasics.com/learn/tapas-yogic-will-power/]

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