Svadhyaya é a disciplina em praticar o autoestudo, o autoquestionamento do Self, apoiado sobre o conhecimento disponível em diversas fontes, mas em especial o dos textos sagrados, das palavras de poder, que são “mapas do Caminho” para a Autorrealização e estão presentes em diversas tradições

Svadhyaya

Olá!

Hoje falaremos sobre o quarto e penúltimo Niyama: Svadhyaya ou “estudo sagrado”, que trata da nossa disciplina sobre o autoestudo, apoiado sobre o conhecimento revelado pelos textos sagrados, sobre palavras de poder, que são literalmente “mapas do Caminho” presentes em diversas tradições. Assim como trilhas podem partir de locais distintos e chegar ao mesmo destino, as diferentes tradições e contextos históricos também possuem suas distinções, mas orientam e também levam ao Destino, ao lugar de realização do nosso Propósito, o caminho da Autorrealização, da Autoperfeição, o caminho da evolução do ser.

Yamas e Niyamas

Svādhyāya é uma palavra sânscrita composta composta por svā (स्व) + dhyāya (ध्याय). Sva, significa próprio, eu ou a alma humana (atman), Dhyāya significa “meditando”, lição, palestra ou leitura. A raiz de Adhyāya e Dhyāya é “Dhyai” (ध्यै), que significa “meditar, contemplar, pensar em”. O termo Svādhyāya, portanto, conota “contemplação, meditação, reflexo de um eu”, ou simplesmente “estudar o próprio eu”. Assim Svadhyaya sugere a prática, o caminho individual de contemplar, meditar, estudar-se. Nas tradições mais ortodoxas está mais diretamente associada à leitura, à interpretação e à prática dos textos sagrados. Numa visão mais holística, poderíamos compreender autoestudo de uma forma ampliada, podemos dizer mais integral, englobando as artes, as ciências, mitologia, esoterismo, a natureza, enfim o Divino presente em diversas fontes e tradições para a compreensão do Self.

O (grande) desafio do buscador, leigo que é, está em separar o que é de fato Sagrado, do que é profano, pois estamos cercados de ambos e não é tão fácil distinguir. Estamos rodeados de pessoas de Luz, mas também de outras que pensam ser luz ou disfarçadas de luz, falsos profetas, gurus, monges, pastores, padres, rabinos, etc. Daí a recomendação dos ortodoxos por manter-se focado à “fonte pura” (mas o que é fonte pura?!), para evitar trilhas que levam a outros caminhos que não o da Autorrealização. Mas tudo isso, faz parte das escolhas do caminho, e em que escola(s) decidir estudar, também é uma decisão (ação=karma) importante do buscador. E essa escolha deve partir do Coração, da sua Luz Interior. E para acessá-la você deve autoestudar-se. Portanto temos uma referência circular?! Sim e não. É um processo cíclico, mas que evolui na direção vertical a cada volta, um ciclo virtuoso. Talvez a sua “fonte pura” hoje não seja a perfeita, mas suficiente e necessária para o seu nível de compreensão. Suficiente para levá-lo a outro estágio e, então nesse novo lugar, perceber que aquela fonte lhe serviu bem, mas já não ajuda muito mais. E aí sim, uma nova fonte, com mais profundidade, e assim por diante. Pois o método para nos aproximarmos do Eterno é o das “aproximações sucessivas”, uma que: “O Tao que pode ser descrito não é o eterno Tao” [Lao-Tsé].

adulto, balcão, borrão

Como vimos em discussões anteriores, nossa mente é influenciada a todo momento por estímulos exteriores. Dependendo de quais estímulos, podemos colocá-la a serviço do Ego (péssimo mestre) ou da nossa Luz Interior (excelente mestre). E se a mente for bem trabalhada, podemos acessar a nossa Luz Interior e trilhar um caminho consciente. É fácil verificar de forma prática que, se mantemos estímulos inadequados, como exemplos: se convivemos e/ou assistimos filmes, jornais, videos com casos de violência, estimularemos em nós mesmos pensamentos sobre violência; se assistirmos recorrentemente conteúdos pornográficos, estimularemos em nós mesmos pensamentos recorrentes sobre sexo; se estimulamos a todo momento nossos sentidos e pensamos sobre comida, fatalmente sofreremos com a gula, e assim por diante. Assim, é bastante lógica a razão de ser de Svadhyaya. Se favorecermos que os estímulos exteriores sejam de natureza mais alinhada com a energia divina e sutil, se nossos estímulos são mais alinhados com a natureza buddhica da mente, certamente nossa escuta à nossa Luz Divina Interior estará favorecida e caminharemos, bem como provavelmente nossas ações (karma) estarão mais alinhadas com o campo da consciência. Os textos sagrados, o auto-estudo sobre o Divino, nos levam a um estado mental propício ao auto-conhecimento e autorrealização. Vibrar no campo espiritual requer preparação do campo e os sábios nos orientaram neste sentido, através dos legados em diversas tradições. Os rituais nas distintas tradições tem seu propósito, esse propósito, equilibrar o campo para que possamos trabalhar consciência. Esta limpeza mental através dos textos sagrados, usando palavras de poder (Mantras*), nos ajudam a acessar esse campo energético mais favorável para que a alma possa florescer e nossa Luz Interior possa se expressar.

*Oportunamente exploraremos os Mantras, alavanca muito importante para o desenvolvimento da mente e da consciência

O estudo disciplinado destes textos auspiciosos permite estabelecer um contato psíquico, energético com os mestres que nos presentearam com estas escrituras sagradas. Svadhyaya trata de uma persistência no estudo das escrituras do Yoga. O estudo contínuo em Svadhyaya não se refere a estudos aleatórios, mas o estudo dos textos que iluminam o caminho do buscador. Podem envolver também a repetição para fixação. Japa (repetição contínua) de um Mantra também está incluído em Svadhyaya. Japa e estudo são os dois meios para a associação sagrada e a comunhão divina.

mantra-physics - Tibet House US
Japa mala é um contador de repetições de mantras em tradições orientais

No aforismo 44 do capítulo II – Sadhana Pada dos Yoga Sutras de Patañjali está dito:

स्वाध्यायादिष्टदेवता संप्रयोगः

svādhyāyād-iṣṭa-devatā saṁprayogaḥ

Auto-estudo e reflexão sobre si mesmo (svadhyaya) o colocam em contato com o ideal desejado

Na Bhavagad Gita, assim está referenciada a importância do auto-estudo do sagrado, ainda que relativizado em termos de importância, ao serviço devocional desinteressado de compensação e ao amor fraterno entre os seres vivos (o autoestudo não é a meta, mas o meio):

No capítulo 4 – o Yoga do Conhecimento: (24) O próprio sacrifício, o que é oferecido no fogo do sacrifício e aquele que é sacrificado são da mesma natureza espiritual; ele certamente alcançará o espírito do Absoluto [Brahman], que está completamente absorvido no trabalho para o espiritual. (25) Alguns adoram os piedosos nisso, enquanto outros seguidores do caminho do yoga oferecem perfeitamente em sacrifício o fogo do próprio espiritual. (26) Alguns sacrificam, pelo processo auditivo, os sentidos ao contemplar vibrações sonoras [como mantras] no fogo, enquanto outros oferecem gratificação dos sentidos em relação a objetos materiais [como comida] no fogo. (27) Ainda outros que precisam de auto-realização também oferecem, no fogo do sacrifício de todas as funções dos sentidos, sua respiração não regulada no autocontrole do yoga. (28) Alguns sacrificam suas posses, na austeridade e no yoga, enquanto outros, como ascetas, tendo feito votos rígidos, sacrificam seus conhecimentos também estudando os Vedas. (29) Oferecer a inspiração para quem vai para fora e a inspiração para quem vai para dentro também outros estão tentando alcançar a cessação [meramente] seguindo o ar que vai para dentro e para fora, enquanto outros sacrificam o ar inalado em si mesmo. no controle de sua alimentação. (30) Embora diferentes, todos os que conhecem o sacrifício são purificados das reações de suas trevas e, após terem provado o néctar como resultado desses sacrifícios, alcançam o espírito do eterno. (31) Quando este mundo não é para quem não tem sacrifício, então o que [esperar] do próximo, ó melhor dos Kurus? (32) Assim, os diferentes tipos de sacrifícios são defendidos pela boca dos Vedas. Você deve vê-los todos como resultado do karma e sabendo que assim encontrará a libertação.

No capítulo 11 – O Yoga da Forma Universal: ” (47) O Senhor Supremo disse: ‘Da Minha Graça para você Arjuna, essa forma transcendental da unicidade do Meu Ser foi demonstrada; além de vocês, ninguém viu essa forma original e ilimitada de Mim, da refulgência total de todo o universo, antes. (48) Oh, o melhor dos guerreiros Kuru, neste mundo material, nesta forma, ninguém além de você pôde ver isso, nem pelo sacrifício ou estudo védico, nem pela caridade e ações piedosas ou penitências severas. (49) Não se preocupe, não fique perplexo vendo essa forma horrível, apenas veja a Minha forma sem medo e, portanto, com uma mente feliz novamente como é ‘. ” (50) Sañjaya disse: “Vâsudeva falando dessa maneira de Sua própria forma se mostrou mais uma vez [com quatro braços] e se tornou a grande alma de Sua bela forma [com dois braços] novamente tranquilizando assim o temível Arjuna.” (51) Arjuna disse : ‘Vendo esta sua forma humana muito bonita, ó castigadora dos inimigos, agora estou composto novamente em minha mente e em mim mesmo.’ (52) O Senhor Supremo disse: ‘Esta minha forma, como você viu, é muito difícil de ver, até os semideuses eternamente aspiram a ver essa forma. (53) Nunca [como Eu disse] posso ser visto, através apenas do estudo dos Vedas, de penitências, caridade ou adoração, desta maneira como você Me viu. (54) Somente através do serviço devocional livre de segundas intenções é possível conhecer e Me ver como este Arjuna, e de fato obter acesso, ó poderoso armado. (55) Aquele que está empenhado em trabalhar para Mim, comigo como o Supremo, em meu serviço devocional livre de associação materialista e inimizade entre os seres vivos, chega a Mim, ó filho de Pându. ‘

Capítulo 17 – Ioga da Tríplice Divisão de Fé: (11) O sacrifício que é realizado de acordo com as escrituras por aqueles que estão livres de motivos de lucro e, portanto, certamente de uma mente absorvida é de bondade. (12) Mas o que é feito com desejo pelo resultado e por orgulho, ó chefe dos Bhâratas, conhece esse sacrifício como sendo do modo da paixão. (13) Desprovido dos princípios [de satya, dayâ, tapas, sauca; verdade, compaixão, austeridade e limpeza], sem oferendas de comida, desrespeitando mantras, sem presentes e com falta de fé, o sacrifício deve ser considerado como ignorância. (14) Em obras, diz-se que a austeridade respeita a divindade, os nascidos duas vezes, o professor espiritual e os sábios em limpeza, sinceridade, celibato e não-violência. (15) Para a voz, com certeza, diz-se que a austeridade é verdadeira, agradável e benéfica, palavras inofensivas que são do estudo e da prática védica. (16) Para alguém que pensa que essa austeridade é considerada uma mente atenciosa de boa fé, gravidade, autocontrole e autocorreção. (17) Diz-se que a austeridade tríplice [de ações, a voz e a mente] executada por homens com fé na transcendência sem desejar o fruto é boa. (18) Diz-se que a austeridade exercida neste mundo em prol do respeito, honra, veneração e orgulho é de paixão; é instável e temporário. (19) Diz-se que a austeridade executada tolamente com a intenção de se torturar ou com o objetivo de destruir os outros está no modo das trevas.”

adorável, bebê, Bíblia
As orações e repetições são contados usando o terço pelos católicos na tradição cristã

Quando falamos de textos sagrados, falamos de pluralidade. As tradições e as fontes são muitas. O Divino se revela de formas diversas. Podemos citar exemplos, mas a lista sempre estará incompleta, inclusive porque muitas tradições não foram devidamente escritas, passadas de geração a geração. Citamos: A Bíblia Sagrada Cristã, a Torá Judaica, o Corão Muçulmano, os Vedas Hinduístas, o Adi Granth Sikh, o Triptaki Budista, o Tao Te Ching Taoista, Espiritismo, Druidismo. Também encontramos fontes importantes em suas vertentes mais místicas, como por exemplo: evangelhos apócrifos, Essênios, Kabalah, Sufismo, Gnosis, outros e na história, através das Mitologias diversas: Grega, Nórdica, Romana, Africana (Yorùbá), Celta, Asteca, Maia, Inca. Diferentes linguagens e abordagens para a conexão com o Divino.

Ao realizarmos o auto-estudo, ao estudar o Self, podemos reconhecer nossos hábitos e processos de pensamento, e percebendo aquilo que fazemos, nos damos conta de quão longe estamos de quem realmente sabemos que somos. Quanto mais percebemos o que não somos, mais chegamos a perceber o que realmente somos. Nos tornamos mais conscientes das coisas que fazemos que nos prejudicam, e também daquelas que nos servem e nos aproximam desse processo de ‘junção’ ou ‘união’ com o Eu verdadeiro.

A importância de Svadhyaya está em estabelecer as referências e mapa do nosso trilhar. Precisamos nos nortear de alguma forma e a sabedoria dos nossos ancestrais, dos que vieram antes é fundamental para que possamos rumar na direção correta. Do contrário, estaremos numa situação muito desfavorável de tentativa e erro, e nossa busca pela Autorrealização torna-se muito ineficiente se caminhamos em direções que nos afastam da mesma por ignorância sobre o que se deve fazer, por desconhecimento do nosso Propósito, do nosso Swadharma. Assim como acontece numa trilha na mata, quando estamos perdidos, apenas desânimo e desesperança, mas a partir do momento que nos encontramos e percebemos que estamos na direção correta, as coisas acontecem de forma favorável e nos impulsionam adiante.

Vamos em frente! Na direção correta! E guiados pela disciplina no autoestudo. Até o próximo encontro! 🙂

Referências:

https://wallpaperaccess.com/

https://www.wisdomlib.org/

https://www.ashtangayoga.info/

http://bhagavata.org/gita

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