Dhyana
Olá!
Hoje estudaremos o penúltimo dos oito ramos ramos do Ashtanga Yoga de Patañjali: Dhyana.
Enquanto em Dharana buscávamos uma estabilização da mente ao focar em apenas um objeto, em Dhyana, o praticante já atinge um grau de concentração suficiente para mantê-lo consciente sobre o ato de contemplação e do objeto de meditação. Em Dhyana, o praticante torna-se o objeto da sua própria contemplação. Existe uma distinção clara e consciente entre “Aquele que observa” e “aquele que é observado”, de forma contemplativa e completamente estabilizada.
Em um de seus discursos registrados, Sri Sathya Sai Baba* disse: “Como a meditação deve ser feita? O primeiro passo é Dharana. Doze Dharanas representam um Dhyana. Doze Dhyanas são iguais a um Samadhi. Dharana é uma visualização constante e concentrada de qualquer objeto por doze segundos. Você precisa olhar para qualquer objeto, chama, figura ou ídolo por doze segundos apenas com concentração total, sem piscar as pálpebras. Aqui é Dharana. Praticar Dharana é uma preparação para Dhyana. A duração de Dhyana é de doze Dharanas. Isso significa que Dhyana deve durar 12 x 12 = 144 segundos, ou seja, dois minutos e vinte e quatro segundos. Dhyana não requer ficar sentado em “meditação” por horas. Dhyana adequada não precisa durar mais de 2 minutos e 24 segundos. Somente depois de Dharana ter sido bem praticada é que se pode fazer Dhyana (meditação) também. Doze Dhyanas são iguais a um Samadhi. Isso significa 144 x 12 segundos, ou seja, 28 minutos e 48 segundos – muito menos de uma hora. “
Assim como na tradição hebraica o número 40 aparece repetidas vezes na Torá e no Antigo Testamento, e de onde surge o termo quarentena, na tradição hindu, os números 12, 72 e 144 também são números auspiciosos. Por exemplo, quando estudamos Pranayama, vimos que existem 72.000 Nadis no nosso corpo, dos quais 72 são principais. 144 = 2 x 72 = 12 x 12, o que significaria, de uma forma mais qualitativa que quantitativa: “um número mais que suficiente de vezes”, que sugere uma estabilidade inquestionável. Por outro lado, Sai Baba também adverte que o excesso de meditação também não é necessário, pelo contrário pode ser até perigoso em Samadhi, que veremos em mais detalhes na próxima oportunidade.
Em Dhyana, o indivíduo percebe que Ele (o Self) não é meramente os seus pensamentos. Essa percepção se dá pelo simples fato de que Ele pode agora observar estes pensamentos ir e vir, consciente de que isso está ocorrendo, portanto, a partir de uma posição de Observador, a partir de um lugar Maior, do lugar do Self. Se este estado de observação pode ser mantido por um “tempo suficiente”, o praticante passa a acessar partes da mente que normalmente estão ofuscadas e subjugadas aos nossos condicionamentos mentais ordinários.
Quando acessamos essa porção buddhica da mente, aquela capaz de se conectar com nosso verdadeiro Eu (Self), o nosso ego finalmente “se rende”. O ego, como vimos no capítulo sobre Consciência, Mente e Ego, é essa parte da mente responsável pela nossa individualização, nosso reconhecimento como um ser único nesta vida terrena, e portanto essencial para termos a possibilidade de experimentar erros e acertos sobre a dualidade da matéria, sobreviver aqui e evoluir. Sem discernimento (viveka), esse ego tão essencial, mas ao mesmo tempo tão autoritário, acaba por nos tornar escravos dos condicionamentos e julgamentos que vamos experimentando ao longo da nossa vida. O ego é um péssimo mestre e sob o comando ele escraviza nossa alma com seus anseios por satisfazer os desejos dos sentidos.
Em Dhyana contudo, conseguimos obter o necessário discernimento, finalmente o ego se humilda, se subjuga e se coloca a serviço do Self. Em Dharana, buscávamos este estado mental de foco, em Dhyana, nós já o encontramos, temos o ego a serviço e assim compreendemos nossa Verdadeira Natureza, o que nos permite entrar em contato com nossa Luz Interior da Consciência. Em Dhyana, buscamos estabilizar essa conexão e mantê-la, como pré-requisito para o nosso próximo passo: Samadhi.
Vejamos o que está escrito nos textos sagrados, começando pelos Yoga Sutras, Capítulo 1 – Samadhi Pada, onde Patañjali afirma a partir do aforismo 32 que:
तत्प्रतिषेधार्थमेकतत्त्वाभ्यासः ॥३२॥
tat-pratiṣedha-artham-eka-tattva-abhyāsaḥ ॥32॥
Quem pratica assiduamente supera esses obstáculos. ||32||
मैत्री करुणा मुदितोपेक्षाणांसुखदुःख पुण्यापुण्यविषयाणां भावनातः चित्तप्रसादनम् ॥३३॥
maitrī karuṇā mudito-pekṣāṇāṁ-sukha-duḥkha puṇya-apuṇya-viṣayāṇāṁ bhāvanātaḥ citta-prasādanam ॥33॥
Tudo o que é mutável nos seres humanos (chitta) é harmonizado através do cultivo do amor (maitri), presteza (karuna), convívio (mudita) e imperturbabilidade (upeksha) em situações felizes, dolorosas, bem-sucedidas ou infelizes. 33 ||
प्रच्छर्दनविधारणाअभ्यां वा प्राणस्य ॥३४॥
pracchardana-vidhāraṇa-ābhyāṁ vā prāṇasya ॥34॥
O objetivo pode ser alcançado através de exercícios respiratórios envolvendo prender a respiração antes de expirar. 34 ||
विषयवती वा प्रवृत्तिरुत्पन्ना मनसः स्थिति निबन्धिनी ॥३५॥
viṣayavatī vā pravr̥tti-rutpannā manasaḥ sthiti nibandhinī ॥35॥
Ou contemplando coisas e impressões, que promovem estabilidade e consolidação mentais || 35 ||
विशोका वा ज्योतिष्मती ॥३६॥
viśokā vā jyotiṣmatī ॥36॥
Ou contemplando a Luz Interior que está livre de sofrimento. 36 ||
वीतराग विषयम् वा चित्तम् ॥३७॥
vītarāga viṣayam vā cittam ॥37॥
Ou se o que é mutável nos seres humanos (chitta) não é mais a criada do desejo. 37 ||
स्वप्ननिद्रा ज्ञानाअलम्बनम् वा ॥३८॥
svapna-nidrā jñāna-ālambanam vā ॥38॥
Ou através do conhecimento derivado de um sonho noturno (revelação) 38 ||
यथाअभिमतध्यानाद्वा ॥३९॥
yathā-abhimata-dhyānād-vā ॥39॥
Ou através da contemplação (dhyana) sobre o Amor 39 ||
परमाणु परममहत्त्वान्तोऽस्य वशीकारः ॥४०॥
paramāṇu parama-mahattva-anto-‘sya vaśīkāraḥ ॥40॥
Uma pessoa que atinge esse objetivo tem domínio sobre tudo, desde o menor átomo até o universo inteiro. 40 ||
क्षीणवृत्तेरभिजातस्येव मणेर्ग्रहीतृग्रहणग्राह्येषु तत्स्थतदञ्जनता समापत्तिः ॥४१॥
kṣīṇa-vr̥tter-abhijātasy-eva maṇer-grahītr̥-grahaṇa-grāhyeṣu tatstha-tadañjanatā samāpattiḥ ॥41॥
Uma vez que os equívocos (vritti) são minimizados, tudo o que é mutável nos seres humanos (chitta) torna-se tão claro quanto um diamante, e as percepções, o percebido e o percebedor se fundem. – Um constrói e colore o outro. Isso é iluminação (samapatti). 41 ||
तत्र शब्दार्थज्ञानविकल्पैः संकीर्णा सवितर्का समापत्तिः ॥४२॥
tatra śabdārtha-jñāna-vikalpaiḥ saṁkīrṇā savitarkā samāpattiḥ ॥42॥
Em conjunto com o conhecimento de palavras e objetos, ou imaginação, esse estado é savitarka samapatti. 42 ||
स्मृतिपरिशुद्धौ स्वरूपशून्येवार्थमात्रनिर्भासा निर्वितर्का ॥४३॥
smr̥ti-pariśuddhau svarūpa-śūnyeva-arthamātra-nirbhāsā nirvitarkā ॥43॥
Depois que todas as impressões anteriores (smriti) tiverem sido eliminadas e a própria natureza for claramente perceptível, apenas o objeto da contemplação emana luz. Isso é nirvitarka samapatti. 43 ||
एतयैव सविचारा निर्विचारा च सूक्ष्मविषय व्याख्याता ॥४४॥
etayaiva savicārā nirvicārā ca sūkṣma-viṣaya vyākhyātā ॥44॥
Se o objeto de concentração é de natureza sutil, esses dois estados descritos são conhecidos como savichraara e nirvichara samapatti. 44 ||
सूक्ष्मविषयत्वम्चालिण्ग पर्यवसानम् ॥४५॥
sūkṣma-viṣayatvam-ca-aliṇga paryavasānam ॥45॥
Um objeto pode ser sutil ao ponto de indefinibilidade. 45 ||
ता एव सबीजस्समाधिः ॥४६॥
tā eva sabījas-samādhiḥ ॥46॥
Todos esses estados de consciência são chamados sabija samadhi. 46 ||
निर्विचारवैशारद्येऽध्यात्मप्रसादः ॥४७॥
nirvicāra-vaiśāradye-‘dhyātma-prasādaḥ ॥47॥
Se você experimenta regularmente o mais claro dos quatro estados mencionados acima, conhecido como nirvichara samapatti, está prestes a experimentar um estado de absoluta clareza. 47 ||
ऋतंभरा तत्र प्रज्ञा ॥४८॥
r̥taṁbharā tatra prajñā ॥48॥
Então a consciência será preenchida com a Verdade. 48 ||
श्रुतानुमानप्रज्ञाअभ्यामन्यविषया विशेषार्थत्वात् ॥४९॥
śruta-anumāna-prajñā-abhyām-anya-viṣayā viśeṣa-arthatvāt ॥49॥
A consciência é caracterizada por uma relação especial com o objeto. Esse relacionamento excede os limites do conhecimento que é recebido e seguido. 49 ||
तज्जस्संस्कारोऽन्यसंस्कार प्रतिबन्धी ॥५०॥
tajjas-saṁskāro-‘nya-saṁskāra pratibandhī ॥50॥
Essa experiência gera uma impressão (samskara) que suplanta outras impressões (samskara). 50 ||
तस्यापि निरोधे सर्वनिरोधान्निर्बीजः समाधिः ॥५१॥
tasyāpi nirodhe sarva-nirodhān-nirbījaḥ samādhiḥ ॥51॥
Nirbiija samadhi é alcançado uma vez que até essas impressões se tornam tranquilas e quando tudo se torna tranquilo. 51 ||
Já na Baghavad Gita, Krishna, a Consciência Divina, budhica, ensina a Arjuna, a consciência individual, sobre o Yoga da Meditação:
“(10) A pessoa espiritual [ou iogue] deve sempre se lembrar de estar sozinha em uma posição isolada, em consciência controlada, sem distração e preocupação com os bens. (11-12) Em um local santificado, ele deve colocar um assento não muito alto nem muito baixo, cobrindo um assento com pano macio e depois limpar sua mente ocupada, apontando-a de todo coração a apenas um ponto, com seus sentidos e atividades ao assumindo postura de yoga. (13-14) Mantendo o corpo, a cabeça e o pescoço retos, sem se mover, ele deve olhar a ponta do nariz sem olhar para outro lugar. Com um eu calmo, sem medo e leal ao celibatário, aquele que se conecta deve sentar-se para subjugar a mente concentrada em Mim como o objetivo final. (15) Praticando constantemente a alma como mencionado, o meditador com mente regulada alcança a paz e a morada celestial da união espiritual. (16) Mas também não há ioga comendo demais ou jejuando excessivamente, e também não com quem dorme demais ou com quem fica acordado, oh Arjuna. (17) Com a regulamentação de comer e recriar, os deveres de manutenção e sono e vigília, a prática de yoga porá um fim à miséria. (18) Quando disciplinada dessa maneira, a consciência, com certeza, se situa na transcendência, sem ansear pela gratificação dos sentidos, então diz-se que estamos unidos. (19) A comparação com uma lâmpada do vento que não oscila é o que se lembra com um iogue cuja consciência equilibrada está conectada ao estar constantemente envolvido na alma……
(24) Que a ioga deve ser praticada com firme determinação, sem se desviar das especulações mentais nascidas da luxúria; todo esse abandono total da mente certamente será proveniente do estabelecimento de todo o aparato sensorial em todos os aspectos. (25) Gradualmente, passo a passo, deve-se retirar inteligentemente a mente por meio da convicção, colocando-a no transcendente, sem sequer pensar em fazê-la de outra maneira. (26) De onde quer que a mente agitada cintile e vagueie instável, certamente devemos trazê-la de volta ao controle do eu regulador. (27) Este iogue, cuja mente é pacificada, alcança com suas paixões aquietou a libertação espiritual de ser libertado de todas as reações ao pecado. (28) Assim, ao envolver a alma sempre o iogue é libertado do pecado na alegria transcendental da união espiritual e, assim, ele alcança a felicidade sem fim….
(33) Arjuna disse: ‘Deste sistema de yoga geralmente descrito por você, ó Madhusûdana, sim, devido à minha inquietação, não vejo sua estabilidade no lugar. (34) A mente é certamente inconstante, ó Krishna, agitante, forte e obstinada, para subjugá-la, eu acho, é tão difícil quanto controlar o vento. ‘ (35) O Senhor Supremo disse: ‘Sem dúvida, ó poderoso, armado, é difícil refrear a mente inquieta, mas com persistência, ó filho de Kunti, e também por desapego, ela pode ser controlada. (36) Com uma mente mal autorrealizada, a auto-realização é difícil em Minha visão, mas esforçar-se com uma mente prática controlando apropriadamente a pessoa conseguirá.”
Uma vez que estabelecemos essa conexão estável, com a frequência mental sutil necessária, podemos entrar em contato com nossa Luz Interior da Consciência. A partir daí é possível acessar o último estágio, o oitavo ramo do Asthanga Yoga, o estado de Samadhi, ou de contemplação, que buscaremos estudar no próximo encontro.
Mantendo-nos conectados e concentrados, nos veremos em breve! 🙂
Referências:
http://www.sssbpt.info/
http://bhagavata.org/gita/chapter6.html
https://www.holy-bhagavad-gita.org/
“The heart-mind field of Consciousness” – Nicolai Bachman