Asteya é o Yama que nos fala sobre não roubar em qualquer sentido material e imaterial – e a razão como veremos: O crime não compensa!

Asteya

Saudações!

Hoje, no nosso caminho de Autoconhecimento, através da Filosofia do Yoga, seguiremos estudando os Yamas. Depois de entendermos Ahimsa (não-violência) e Satya (veracidade), falaremos de Asteya, ou não roubar.

Relembrando, o aforismo II.30 dos Yoga Sutras de Pátañjali afirma que: “O respeito pelos outros (Yama) é baseado: i) na não-violência (ahimsa); ii) na veracidade (satya); iii) no não roubar (asteya); iv) na não cobiça (aparigraha); e v) agindo com uma consciência dos ideais mais elevados (brahma-charya).”

Yamas (Restrições) e Niyamas (Observâncias)

No aforismo II.37 dos Yoga Sutras, Pátañjali detalha:

अस्तेयप्रतिष्ठायां सर्वरत्नोपस्थानम्

asteya-pratiṣṭhāyāṁ sarvaratn-opasthānam

“Uma vez estabelecido o não-roubo, todas as riquezas estarão disponíveis” ou “Quando o não-roubo é estabelecido, todas as jóias (riqueza) se aproximam da pessoa.”

A mera intenção de roubar afastará a riqueza. Na maioria das vezes, a pobreza é feita por si mesma. Uma pessoa quer ser sorrateira, agarrar e conseguir o máximo que puder, e acaba perdendo tudo. No ditado popular: “O crime não compensa”.

“Sem desejo, se atrai o que é precioso, material e figurativamente, incluindo a gema de todas as jóias, virtudes.” [B.K.S. Iyengar, mestre e estudioso de yoga].

iyengar
BKS Yengar [1918-2014] fundador do Iyengar yoga e
um dos mais respeitados professores de Yoga no seu tempo

Em sua aparência, não roubar é algo bastante óbvio e direto quando pensamos em coisas tangíveis e materiais, porém um entendimento mais profundo acerca deste Yama é importante. Num contexto mais abrangente e filosófico, Asteya significa abandonar completamente a própria intenção ou desejo de possuir ou acumular qualquer coisa – seja material, talento, relacionamento, presente, conquista, sucesso, tempo ou recursos naturais – que não pertençam a você, seja pelo uso da força, artimanhas, enganação, ou exploração, seja por ações, palavras ou mesmo pensamentos.

Falando sobre este pertencimento, o que de verdade pertence a mim, a você ? Gosto de refletir sobre este tema da seguinte forma: Aquilo que Verdadeiramente (Verdadeiro com V maiúsculo, sob a ótica Divina, não a ótica mesquinha e egoísta) pertence a você, deve poder ser reclamado e solicitado por você a qualquer momento. Deve portanto estar contigo sempre, ainda que você momentaneamente esquecer e/ou não perceber por algumas vezes. Neste sentido, qualquer coisa que eu não possa levar comigo pela minha simples vontade ou exigir de volta a qualquer tempo, espaço, em Verdade, não me pertence.

Isto faz sentido para você? Se sim, note que a imensa maioria das coisas que você acredita hoje serem suas, em Verdade sinto dizer, não são. Mas é importante você entender que elas lhe foram “emprestadas”, para que através delas você pode aprender, aprimorar, evoluir, desenvolver aquelas coisas, que de fato são suas. Aqui encontramos o nosso propósito de Autorrealização. Auto-realizar é reclamar aquilo que de fato lhe pertence. Porém não existe Autorrealização sem Asteya, simplesmente porque a Autorrealização completa pressupõe ajudar (e não atrapalhar) a todos os outros também conseguirem a sua Autorrealização. Todas as vezes que você não ajuda o todo, você atrapalha a sua própria Autorrealização. Paradoxal?!

O desejo de roubar surge da ganância, da sensação de falta, da impotência e da comparação com os outros. Surge portanto, da ilusão que existe uma competição entre os indivíduos. Ora, você pode perguntar, mas não existe competição entre os indivíduos?! É o que aprendemos e vivenciamos desde que nascemos. Existe competição porque os indivíduos acreditam que existe. Tudo aquilo que você acredita, na sua mente passa a existir. Se todas as mentes do mundo acreditarem que existe, então elas passam a existir na mente do mundo….

Aqui temos uma reflexão importante. A competição Real é a do indivíduo com ele mesmo, com sua própria evolução e crescimento. Assim como um corredor ou nadador somente vence a prova quando se concentra em si mesmo e não se distrai com a raia ao lado. E a evolução do indivíduo tem como pré-requisito a evolução do conjunto. Não se evolui sozinho sendo parte de um organismo maior, do contrário nossos corpos cresceriam completamente disformes e não harmonicamente, simétricos, sob a perfeição divina.

O grande problema da humanidade está na ilusão da separação, para a qual Yoga, sendo união é o antídoto perfeito. A ilusão da separação, em erroneamente imaginar que cada indivíduo é separado do outro e portanto, que suas decisões, que afetam os outros, não afetam reciprocamente a si mesmo. Aí está a grande mazela da humanidade. Em Verdade, somos parte do mesmo Organismo. Imagine que uma célula ou órgão do seu corpo quisesse competir com as outras/outros, e achasse que apenas cresceriam e se desenvolveriam se competisse por recursos, alimentos, água, oxigênio com as demais, como seria nosso corpo?! E sabemos que quando ocorre algo minimamente parecido com isso, de que doença padecemos no nosso corpo… Estes sentimentos de separação são a causa dos males da sociedade. Cada célula, cada órgão, cada sistema do nosso corpo tem a sua função e funcionam em harmonia. Numa situação normal, num corpo saudável, o nosso pulmão não deseja competir com nosso fígado porque acha que vai faltar algo para ele por causa do outro. Essas anomalias nascem na mente doente das pessoas. Por isso, em Yoga trabalhamos a mente, para direcioná-la para construir coisas boas, não pensamentos sem cabimento de falta, medo, etc.

Por que os pais ou avós não sentem inveja das coisas que seus filhos e netos possuem? Na maioria dos casos, tirando os de esquizofrênicos ou pessoas perturbadas além do padrão, os pais e avós realmente sentem a felicidade verdadeira por ver seus filhos e netos prosperarem. Por quê?

Porque esse é o estado natural das coisas e ali existe Harmonia, Simetria, existem as regras da Natureza, a Geometria Sagrada, o Amor. Onde existe Amor, não existe falta, medo, inveja, egoismo ou ganância. Quando estendemos esse Amor a todos, aos amigos, aos conhecidos e aos não conhecidos, e às plantas, e aos animais, e a todos os seres, e ao mundo, porque entendemos claramente que não apenas estas células ou órgãos muito próximos, mas sim todas elas, também são parte de NÓS, quando entendemos que somos todos células do mesmo Organismo maior. Aí então começamos a colocar a atenção em nos sentir felizes por tudo, ao invés em vez de nos sentirmos invejosos, ciumentos, gananciosos ou desejosos das coisas que os outros têm. Então, a quem essas coisas pertencem dificilmente importará mais para nós, pelo contrário, pois percebemos que o mundo inteiro está evoluindo e junto estamos todos NÓS. Esse sentimento de satisfação e união forma a base da prática de Asteya. E está baseado no Amor, na União, no conceito mais profundo de Yoga.

Asteya se manifesta quando você começa a perceber que tudo o que precisa (aquilo que de fato lhe pertence) está dentro de você – e que a fonte de toda inteligência, poder, força, amor, felicidade e paz está dentro de você. Assim, você começa a se dar conta que não há nada a procurar fora porque “Deus é contigo”. Este é o verdadeiro motivo e significado de por tantas vezes e em tantas tradições estar dito: “Deus é contigo” – “Deus está dentro de você, você não precisa ir buscar fora” – essa é a única Verdade sobre o que realmente lhe pertence, o resto são empréstimos temporários que cedo ou tarde passarão. Não há razão para falta, medo, cobiça. Você já tem tudo o que necessita dentro de você, basta lembrar e pedir, sem tomar o que não lhe pertence, o resto lhe será providenciado para a sua jornada. Vejamos as escrituras em diferentes tradições:

“Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”. “Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa? Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas? Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida?
“Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé? Portanto, não se preocupem, dizendo: ‘Que vamos comer? ’ ou ‘que vamos beber? ’ ou ‘que vamos vestir? ’Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai celestial sabe que vocês precisam delas.
Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas.
Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal”.
[Mateus 6:24-34]

Krishna fala a Arjuna: “11.49 Não tenhas receio, nem te conturbes por essa visão terrível. Afasta o temor, alegra-te e contempla Minha outra forma. …. 11.52 A forma superior que acabas de admirar, raramente pode ser percebida. Mesmo os deuses anseiam por contemplá-la. 11.53 Mas ninguém pode ver-Me tal como Me vistes, nem pelo estudo dos Vedas, nem à custa de mortificações, esmolas e oferendas.11.54 Somente através de uma dedicação exclusiva a Mim é possível conhecer-Me em essência e entrar em Meu ser, o terror de teus inimigos. 11.55 Aquele que se torna instrumento de minhas ações, que faz de Mim a meta suprema de seus anseios e Me serves com devoção, livre de apegos e de inimizade por qualquer criatura vem a Mim, ó filho de Pându.” [Baghavad Gita]

Asteya é portanto, uma linha tênue entre roubar os outros e roubar a nós mesmos. Se tomarmos mais do que precisamos, em qualquer área de nossas vidas, estaremos roubando dos outros. Se negarmos a nós mesmos os recursos necessários para alcançar todo o nosso potencial, estaremos roubando de nós mesmos.

No próximo encontro falaremos do penúltimo Yama: Aparigraha, o desapego. Até lá!! 🙂

Créditos desta seção:

https://pixabay.com/

https://www.sanskrit-trikashaivism.com/

http://bhagavata.org/

https://www.artofliving.org/

https://yogalifestudios.ca/

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