Olá
Hoje falaremos sobre o oitavo ramo dos Yoga Sutras de Patañjali. O último dos ramos do Ashtanga: Samādhi . Conforme temos compartilhado, Autoconhecimento através do Yoga é um caminho de fora para dentro, do denso ao sutil. Samādhi é o ramo mais interno, e o mais sutil. Assim explicar Samādhi não é uma tarefa fácil, assim como não é fácil explicar nossos sentimentos em palavras ao ouvir Bach, Chopin ou Mozart ou ver uma obra de Van Gogh, da Vinci ou Picasso. A única e verdadeira forma de tentar entender Samādhi é vivenciar, assim como todos os 8 ramos do Yoga. Ainda assim, vale a pena entender o que os que vieram antes nos deixaram como mapa do caminho, para nos ajudar a vivenciar de forma menos errática. Existem vários níveis de Samādhi dentro de Samādhi, como veremos adiante, um longo caminho.
Samādhi (समाधि) ou samádi (samyag ~ “correto” + ādhi ~ “contemplação”) ou a correta ou plena meditação. Diz-se que em Samādhi , obtém-se o entendimento completo sobre as funções da mente e da consciência, e assim a compreensão da Existência e a Comunhão com o Universo.
Pela observância de yamas e niyamas, pela prática de asanas, pranayama, pratyahara, e pelo dharana, se chega a dhyana, e dessa forma, pelo esforço e pela graça é possível atingir samādhi. Relembrando “Yogaś citta-vritti-nirodhaḥ” (“Yôga é o cessar das agitações mentais”). Em Samādhi portanto temos o grand finale, resultado de todos os esforços realizados ao longo dos oito passos ou ramos do Ashtanga Yoga, que habilita o yogi ao potencial de chegar aos estados de Samādhi e finalmente a Kaivalya ou Liberação.
Samādhi pode ser entendido como uma sucessão de estados, onde a mente opera cada vez de forma mais focada, concentrada e intensa, assim como um canhão de luz ou um raio laser, com uma grande quantidade de luz concentrada em único ponto, quando comparado à sua propagação normal.
Em Samādhi, a consciência do meditador, o processo de meditação e o objeto de sua meditação, todos se fundem em uma única coisa, em Energia totalmente concentrada. A mente em Samādhi possui um poder que uma mente normal não possui, é a partir dela que um yogi se lança para alcançar o objetivo final do yoga – a união do eu individual com o Absoluto Universal
Merecimento e Crescimento
Existem diferentes estágios de Samādhi. Pessoas comuns, não praticantes de yoga, podem obter eventualmente uma pequena visão de Samādhi, podendo refletir sobre as diferenças que pode observar entre suas experiências de vigília e sonho, que são duas formas principais de consciência, estas evidentes mais acessíveis a todos.
Para atingir estágio final de liberação é necessária uma dedicação, uma devoção e um preparo da mente extraordinário. Buscando uma analogia mais palpável: Você pode praticar esportes, natação ou corrida ou ginástica, mas para ser um medalhista olímpico, para atingir a perfeição, não basta um simples treino uma ou duas vezes por semana. É necessário comprometimento, conhecimento, técnica, preparo, determinação, obediência, abrir mão de outros desejos pessoais, enfim uma série de pré-requisitos.
Da mesma forma, para passar por todos os estágios de Samādhi , são necessários muitos requisitos, mais especificamente, são necessários os oito ramos do Ashtanga Yoga, que temos visto até agora, com comprometimento, empenho e Verdade. Não pode ser entendido nem exercido de forma simplista.
Ainda assim, mesmo um atleta amador, se beneficia tremendamente das atividades que executa: se alegra quando vence o campeonato do clube ou da empresa, se orgulha de suas medalhas de corrida, mantém uma saúde bem cuidada, se sente feliz e realizado emocionalmente com suas endorfinas conquistadas. De forma que, ainda que, nessa vida você não seja um medalhista olímpico, fazer esporte continua a valer muito a pena. Seu Propósito nesta vida inclusive, possivelmente não seja de ser um atleta profissional. Igualmente, o Yoga é para todos, e independente de qual for o estágio atingido, este sempre será um estágio melhor do que o estágio anterior.
Para corroborar com o dito acima, no final do Capitulo 6 da Baghavad Gita, Arjuna pergunta a Shree Krishna o que acontece se um yogi é malsucedido. Se, apesar de iniciar o caminho com fé, não conseguir se esforçar o suficiente, devido à sua mente instável, e for incapaz de alcançar o objetivo do yogi nesta vida? Pelo que Krishna responde:
श्रीभगवानुवाच |
पार्थ नैवेह नामुत्र विनाशस्तस्य विद्यते |
न हि कल्याणकृत्कश्चिद्दुर्गतिं तात गच्छति || 40||
śhrī bhagavān uvācha
pārtha naiveha nāmutra vināśhas tasya vidyate
na hi kalyāṇa-kṛit kaśhchid durgatiṁ tāta gachchhati
Ó Parth, alguém que se envolve no caminho espiritual não encontra destruição nem neste mundo nem no mundo vindouro. Meu querido amigo, aquele que luta pela realização de Deus nunca é vencido pelo mal.
प्राप्य पुण्यकृतां लोकानुषित्वा शाश्वती: समा: |
शुचीनां श्रीमतां गेहे योगभ्रष्टोऽभिजायते || 41||
अथवा योगिनामेव कुले भवति धीमताम् |
एतद्धि दुर्लभतरं लोके जन्म यदीदृशम् || 42||
prāpya puṇya-kṛitāṁ lokān uṣhitvā śhāśhvatīḥ samāḥ
śhuchīnāṁ śhrīmatāṁ gehe yoga-bhraṣhṭo ’bhijāyate
atha vā yoginām eva kule bhavati dhīmatām
etad dhi durlabhataraṁ loke janma yad īdṛiśham
Os yogis malsucedidos, após a morte, vão para as moradas dos virtuosos. Depois de morar lá por muitas eras, eles renascem novamente no plano terrestre, em uma família de pessoas piedosas e prósperas. Senão, se eles desenvolveram desapego, devido à longa prática de Yoga, nascerão em uma família dotada de sabedoria divina. Esse nascimento é muito difícil de obter neste mundo.
तत्र तं बुद्धिसंयोगं लभते पौर्वदेहिकम् |
यतते च ततो भूय: संसिद्धौ कुरुनन्दन || 43||
tatra taṁ buddhi-sanyogaṁ labhate paurva-dehikam
yatate cha tato bhūyaḥ sansiddhau kuru-nandana
Ao tomar esse nascimento, ó descendente de Kurus, eles despertarão a sabedoria de suas vidas anteriores e se esforçarão ainda mais para a perfeição no Yoga.
पूर्वाभ्यासेन तेनैव ह्रियते ह्यवशोऽपि स: |
जिज्ञासुरपि योगस्य शब्दब्रह्मातिवर्तते || 44||
pūrvābhyāsena tenaiva hriyate hyavaśho ’pi saḥ
jijñāsur api yogasya śhabda-brahmātivartate
De fato, eles se sentem atraídos por Deus, mesmo contra sua vontade, com a força de sua disciplina passada. Tais buscadores naturalmente se elevam acima dos princípios ritualísticos das escrituras.
प्रयत्नाद्यतमानस्तु योगी संशुद्धकिल्बिष: |
अनेकजन्मसंसिद्धस्ततो याति परां गतिम् || 45||
prayatnād yatamānas tu yogī sanśhuddha-kilbiṣhaḥ
aneka-janma-sansiddhas tato yāti parāṁ gatim
Com os méritos acumulados de muitos nascimentos passados, quando esses yogis se empenham em sincero esforço para progredir mais, tornam-se purificados dos desejos materiais e alcançam a perfeição nesta própria vida.
तपस्विभ्योऽधिकोयोगी
ज्ञानिभ्योऽपिमतोऽधिक:|
कर्मिभ्यश्चाधिकोयोगी
तस्माद्योगीभवार्जुन|| 46||
tapasvibhyo ’dhiko yogī
jñānibhyo ’pi mato ’dhikaḥ
karmibhyaśh chādhiko yogī
tasmād yogī bhavārjuna
Um yogi é superior ao tapasvī (ascético), superior ao jñānī (uma pessoa que aprende) e até superior ao karmī (artista ritualístico). Portanto, ó Arjun, esforce-se para ser um yogi.
योगिनामपि सर्वेषां मद्गतेनान्तरात्मना |
श्रद्धावान्भजते यो मां स मे युक्ततमो मत: || 47||
yoginām api sarveṣhāṁ mad-gatenāntar-ātmanā
śhraddhāvān bhajate yo māṁ sa me yuktatamo mataḥ
De todos os yogis, aqueles cujas mentes estão sempre absorvidas em mim e que se dedicam à devoção a mim com muita fé, considero-os os mais elevados de todos.
Tipos de Samādhi
I.K Taimni, em seu livro “A Ciência do Yoga”, identifica 10(dez) tipos de Samādhi a partir dos estudos aprofundados dos Yoga Sutras de Patañjali. Todos estes 10(dez) tipos compartilham em comum a absorção do yogi no estado de extrema concentração da mente. O que os distingue, entretanto, são os diferentes níveis de consciência nos quais o yogi vai se aprofundando e sua compreensão sobre as naturezas da mente e da matéria (gunas).
Nas profundezas da Consciência
Depois que os oito membros (yama, niyama, asanas, pranayama, pratyahara, dharana, dhyana e samadhi) são dominados, samadhi é o meio usado para mergulhar na consciência. Essa investigação do denso ao sutil segue pelos diferentes níveis de consciência, onde 10(dez) níveis de Samādhi permitem acesso a níveis cada vez mais profundos.
– Escutar o mantra Om é como escutar o próprio Brahman –
O Capitulo IV dos Yoga Sutras de Patañjali é denominado Kaivalya ou Liberação, significa União com o Infinito. Kaivalya significa “Absoluto” ou “Único”. No Yoga, a experiência do Infinito é a meta máxima da Realização. É “Brahman” no hinduísmo, às vezes chamado Parabrahman, que significa “além de Brahman”, às vezes Parashiva (além de Shiva), às vezes Parameshwara. Como quer que seja chamado, refere-se à experiência do Todo, do Tudo, do Inominável. Patañjali nos Sutras o chamou de “Kaivalya” ou “Absoluto”. Não há nada além, ao lado ou fora Dele. É tudo o que É, Foi e sempre Será, o “Eu Sou”, YHWH יהוה.
líder da Sociedade Teosófica (Adyar) e estudante de Yoga e Filosofia da Índia
Em “A Ciência do Yoga”, I.K. Taimni, interpreta os Yoga Sutras e explica que existem 10(dez) estágios de Samādhi, ligados aos níveis de consciência dos corpos mentais e causal, e veículos budhico e átmico, sequenciais pelos quais devemos passar para evoluir da existência relativa de nossa consciência desperta para o estado de Infinito ou Kaivalya.
Primeiramente Patañjali explica no Capitulo I a distinção entre samprajñāta e asamprajñāta samādhi.
Em samprajñāta samādhi existe uma *pratyaya (P), uma semente, no campo da consciência e a consciência é inteiramente dirigida a esta semente. A consciência, nesse caso está assim, dirigida do centro para o exterior.
*Pratyaya é o termo técnico para designar o conteúdo total da mente a qualquer momento. Aqui a palavra mente é usada no seu sentido mais amplo, não apenas intelecto. Pratyaya pode ser, por exemplo, a imagem mental de uma criança, um conceito de um princípio matemático ou uma visão todo-abrangente da Unidade da Vida. Cada um destes exemplos de Pratyaya correspondem a diferentes planos e níveis de consciência.
Já em asamprajñāta samādhi não há Pratyaya, portanto nada existe que retire a consciência para o exterior e a mantenha ali. Assim, tão logo pratyaya (P) é abandonado ou suprimido, a consciência começa a retroceder para o seu centro (O), e depois de passar momentaneamente através deste centro (laya), tende a emergir no próximo veículo mais sutil.
Completado esse processo, novo pratyaya (P’) do plano seguinte (nível de consciência maior) aparece e a direção da consciência novamente se dá de dentro para fora. Essa espiral em acensão segue caminhando ciclicamente e subindo os planos e níveis de consciência. Toda evolução acontece em espirais, ou seja, você constantemente revisita um ponto, um lugar, um conhecimento, mas a cada vez com um novo nível de percepção e consciência. Assim evoluímos nós, as sociedades, as economias, a natureza, os planetas, os sistemas planetários, os astros, as galáxias, enfim toda a vida.
conforme os Yoga Sutras de Patañjali – [A Ciência do Yoga, I.K. Taimni]
A correta compreensão dos diferentes níveis de consciência, corpos e veículos mencionados nesta literatura, pressupõe uma aprofundamento nos estudos teosóficos e/ou filosóficos, a partir da Teosofia, do Vedanta, entre outros tratados e tradições, que não vamos abordar aqui neste momento.
“O tempo empregado na passagem pelos diferentes planos e vazios intermediários depende do progresso alcançado pelo yogi. Enquanto o principiante pode permanecer enredado nos planos inferiores por um tempo considerável, ao longo de anos, o yogi mais adiantado pode transferir sua consciência de um plano para outro com a rapidez de um relâmpago, enquanto, no caso de um Adepto, que tenha atingido Kaivalya, todos os planos se fundem em um só porque a passagem para cima ou para baixo é tão rápida e fácil, que basta apenas focalizar a consciência em um ou outro veículo. Em geral, quando o yogi ainda está aprendendo a técnica de samadhi, precisa empregar considerável tempo num determinado plano, estudando seus fenômenos e suas leis, antes de estar em condição de tentar passar ao plano superior seguinte. Seu progresso depende não apenas do seu atual esforço, mas também do impulso do passado e dos samskāras que traz de suas vidas anteriores. A ciência do Yoga não pode ser dominada em uma única vida, mas exige uma sucessão de vidas de persistência e devotamento exclusivo ao ideal do Yoga. E os impacientes, que não podem adotar essa remota expectativa, ainda não estão qualificados a ingressar nessa senda e progredir firmemente na direção do seu objetivo.” [A Ciência do Yoga, I.K. Taimni – CapI.17]
Simboliza pureza de coração e mente, expansão da consciência e conexão com plano espiritual
Conforme comentamos no início deste texto, Samādhi consiste em penetrar nas camadas mais sutis do Self. Logo, pressupõe disposição para adentrar também em discussões filosóficas, teosóficas e espirituais, bastante amplas e profundas. Oportunamente abordaremos estes temas.
Como puderam perceber tudo o que percorremos no caminho da interiorização até chegar a Dharana, portal do Samyama, foi apenas um pequeno passo. As práticas de meditação e os níveis em Samadhi são um mundo inteiro a ser explorado para o correto entendimento e a Realização do Self. Mas como sempre dizemos, a riqueza está no Caminho e não no Destino. Seguiremos investigando. Carpe Diem.
Nos vemos em breve! Um abraço sutil! 🙂
Referências:
https://chopra.com/articles/the-3-levels-of-samadhi
https://www.holy-bhagavad-gita.org
Earth-Bound Journey and Heaven-Bound Journey by Sri Chinmoy (https://www.yogaofsrichinmoy.com/the-higher-worlds/samadhi-fld/samadhi/)
“A Ciência do Yoga”, I.K. Taimni , Editora Teosófica, 5a. edição